segunda-feira, 17 de março de 2008

As coisas estavam nesse pé quando a Helade foi sacudida pelo verbo impetuoso do filho de Fenarete.

Impulsionado por uma força inconsciente emanada de sí mesmo e cognominada daímon, poz-se Sócrates a denunciar as mazelas do politeismo.

Segundo argumentava "Não pode haver dois deuses pois um limitaria o outro perfazendo dois seres limitados, Deus deve ser necessariamente ilimitado, logo um."

Tão claro, simples e meriadiano esse raciocínio que impõe-se a todos os homens. Os antigos gregos porém ficaram exasperados diante dele a ponto de dois sacerdotes Anito e Melito, acusarem o ilustre filósofo de corruptor da juventude e introdutor de divindades estrangeiras.

Certamente que ao aludir a divindades estrangeiras os 'piedosos' sacerdotes tinham em mente Ahura Mazda, o Deus invisivel dos persas, seus inimigos figadais o que deve ter excitado os animos dos atenienses, cuja cidade havia sido posta a saque pelo grande rei Xerxes, a cerca de oitenta anos!

Arrastado ao tribunal religioso de Atenas, o aerópago Sócrates foi inquirido sobre seus ensinamentos e condenado a exilar-se ou a morrer, por diferença de um ou dois votos.

Tendo diante de si o testemunho imaculado da consciência o Filósofo preferiu sorver a taça e enfrentar a morte que fugir, o que segundo ele equivaleria a reconhecer uma culpa que não tinha.

Aos setenta anos de idade Sócrates entrou na eternidade rodeado por seus amados discípulos e mereceu doutro filósofo este elogio: "Se a morte de Sócrates equivale a morte do maior de todos os homens, a morte de Cristo quivale certamente a morte de um Deus."

Tendo Sócrates saido de cena, poz-se a brilhar no céu da filosofia o astro de Aristagoras, se discípulo predileto e mais conhecido por Platão devido a amplitude de seus ombros.

Platão levou adiante as idéias de seu mestre sobre a unidade da natureza divina e ampliou-a sob diversos aspectos dando origem ao ramo da Filosofia que ora chamamos de teodicéa ou justificação racional da natureza divina. Esta sua abordagem encontra-se dispersa nas várias obras de sua lavra, todas em forma de diálogos versando sobre diversos assuntos. Não se trata pois duma abordagem sistematiza, tal e qual foi encetada por seu discípulo Aristóteles.

Aristóteles, filho de Nicômaco, médico grego a serviço do rei da Macedônia nasceu, cerca de 485 a C na cidade de Estagira, situada naquele país considerado bárbaro pelos gregos.

Consciente quanto aos dotes intelectuais de seu filho Nicômaco julgou por bem envia-lo a Atenas, onde matriculou-se na Acadêmia, ouvindo as lições de Platão. E suas reflexões eram tão sábias e judiciosas que o mestre não tardou a apelida-lo de "A inteligência" da acadêmia.

Apesar disso, antes de morrer, Platão entregou as rédeas de seu instituto a um seu parente de nome Xenócrates. Diante de tamanha ingratidão nosso filósofo afastou-se da acadêmia e transferiu-se para junto de seu amigo Hermes, soberano de Atarnéia, vindo inclusive a casar-se com uma de suas filhas.

Tendo esse Hermes sido deposto do trono e executado, Aristoteles regressou a Atenas onde fundou sua própria escola o Liceu. Tendo um de seus ex companheiros de academia lhe perguntado se não era mais amigo de Platão, respondeu-lhe com este dito imortal: Sim amigo de Platão, mas certamente, muito mais amigo da verdade.

Entrementes o Estagirita recebeu uma carta do rei Filipe II da Macedônia, o qual através dela convidava-o para assumir a educação de seu filho o futuro Alexandre III, vencedor de Granico, Issus e Gaugamela. Eis um dos trechos da carta: "Sou feliz por ter gerado um filho e mais feliz ainda porque esse filho vive enquanto tu vives!"

Assim sendo o lógico dirigiu por cerca de três anos os estudos do grande conquistador macedônico. Ainda no fim de seus amargurados dias Alexandre costumava dizer: "Amo a meu pai Filipe porque me comunicou a vida corpórea e a Aristóteles meu mestre porque comunicou-me a vida da alma."

Encerrrada sua régia incumbência Aristóteles retornou ao Líceu para não mais afastar-se dele e dedicou cada um de seus últimos dias a reflexão filosófica, reflexão de que surgiu a teoria realista.

Segundo essa teoria os conceitos ou idéias realizam-se nos elementos ou seres materiais de modo que ambas as realidades: material e imaterial coexistem num mesmo universo formando uma unidade substancial.

Entre seus trabalhos o sábio costumava exclamar: ais a ciência, suas raízes são amargas mas seus pômos são doces.

Além de escrever sobre epistemologia Aristoteles escreveu sobre Lógica, ética, Psicologia, Política, direito, medicina, música, matemática, astronomia, zoologia, botânica, minerologia, poética, etc merecendo a fama de gênio universal.

Sem embargo, seus inimigos estavam a espreita, aguardando o surgimento da primeira oportunidade para molesta-lo e esta surgiu por ocasião da morte de Alexandre o grande em 223 a C. Cientes quanto a morte do conquistador os atenienses deram mostras imediatas quanto a seus sentimentos anti-macedônicos. Uma dessas mostras foi a citação do Peripato pelo aerópago sob a acusação de asebéia ou impiedade...

Diante de tamanho perigo nada restou ao velho sábio senão fugir na calada da noite para Calcis na ilha de Eubéia. E nesta cidade veio a entreguar sua alma no ano seguinte vitimado por uma cólica visicular.

Foi Aristoteles que sistematizou e desenvolveu a teodicéa de seu mestre Platão, elencando as cinco provas que concernem a existência do Ser Supremo.
Fica fácil compreender como no contexto das sociedades absolutistas do Oriente, nas quais a política propriamente dita - decorrente da participação social ou da cidadânia - inexistia, a divininação do homem e do humano não podia chegar a seu termo, deslocando para fora do panteão as representações animalescas e os símbolos fenomenológicos.

Regidas pela força bruta de monarcas que se apresentavam a si mesmo como filhos das divindades, é natural que tais sociedades encarassem tais divindades sob o ponto de vista do poder e da força, pode e força representados com muito mais propriedade por um Leão, por um crocodilo ou por um touro do que por um homem. No contexto de tais sociedades convinha que apenas e tão somente o rei, enquanto filho do deus, fosse divinizado, somente numa contexto no qual o rei fosse suprimido e substituido pela assembléia do povo, as divindades poderiam ser completamente humanizadas, de modo que o mundo celestial se refletisse de alguma maneira no mundo sublunar...

A princípio os gregos também eram governados por monarcas todo poderosos e prestavam culto a animais ou a deuses meio homens, meio animais. Educados pelos minóicos os antigos gregos não podiam ter permanecido a margem do culto do touro, quase que onipresente em todo circuito do mediterraneo, posteriormente o touro converte-se num minotauro, até que o próprio minotauro - representante dos deuses antigos - foi morto por um simples mortal: Teseu filho de Egeu, o qual mereceu por isso mesmo ser considerado um herói ou semi-deus.

Todavia, tal e qual aos reis sucederam os oligarcas, a estes os tirânos, e a estes por fim a assembléia do povo, tendência que se tornou preponderante já nos tempos de Sólon, também as formas religiosas deviam alterar-se, passando do zoomorfismo, ao semi zoomorfismo, deste ao semi antropomorfismo, até chegar ao antropomorfismo absoluto e banir do Olimpo todas as representações animalescas. Assim a religião grega não deixou de acompanhar a evolução das estruturas sociais e políticas.

A principio os atenienses devem ter adorado a coruja como animal totêmico e representação divina, a qual por sua vez foi suplantada pela figura duma mulher com cabeça de coruja, posteriormente a coruja passou a companhar a deusa Atena, ja despida de todo e qualquer carater animalesco, até que por fim a coruja saiu completamente de cena dando lugar a uma mulher sózinha ou melhor deusa humanizada...

Certamente que essa evolução não ocorreu linearmente e que nos campo, por exemplo as representações animalescas devem ter coexistido por um bom tempo com as representações humanas, uma ao lado da outra. Nas cidades porém, especialmente nos portos, nos quais as relações pessoais e as estruturas sociais são bem mais dinâmicas, o aspecto animal foi rapidamente superado pelo aspecto puramente humano...

De modo que, num determinado momento - períodos arcaíco, clássico e helenístico - ao menos dos grandes centros comerciais da Helade, todo o panteão religioso se viu expurgado de todo e qualquer conteúdo zoomórfico e por assim dizer humanizado, antropomorfizado...

Momento grandioso este, na história das crenças e idéias, no qual a divindade abandonando todo e qualquer aspecto animalesco e brutal, referente ao poder e a força, assumiu um cárater puramente humano, referente a racionalidade e a ética. Pois certamente que a racionalidade e a ética, num contexto religioso, só podiam impor-se no momento em que as representações daquele que raciocina e escolhe, substituissem as representações daqueles que agem por instinto em função dos apetites.

Por isso no mesmo instante em que o grego pôde contemplar a sí mesmo ou sua natureza divinizada sobre o altar a divindade perdeu automaticamente o seu aspecto feroz, para ser também ela guiada por imperativos humanos e humanitários como a justiça, a bondade, a misericórdia, a generosidade, etc

Enquanto predominaram as formas animalescas do divino representando um padrão de força e ferocidade, predominaram em larga escala os sacrifícios humanos, ou seja, homens eram imolados com o objetivo de aplacar as forças naturais descontroladas... O homem compreendia tais acidentes como castigos enviados pelas divindades, certamente porque ele havia se acomodado e deixado de servi-las como elas desejavam ser servidas: com vítimas e efusões de sangue... pois segundo afirmavam os sacerdotes dessas divindades implacáveis, os deuses haviam criado os homens para serem servidos, adorados e alimentados por eles, mormente com carne e sangue humanos.

Até mesmo no pacífico Egito os Faraós não deixavam de imolar, exporadicamente, alguns prisioneiros a leoa Sekmeth, esposa de Phta, o grande Senhor de Mênfis. Na Suméria e na China dezenas de servidores acompanhavam o rei divino a sua morada eterna... Por esse tempo, todavia, boa parte das divindades já havia assumido alguma característica humana.

Seja como for a representação humana dos deuses parece ser incompativel com a imolação se seres humanos, nesse momento, as oferendas humanas tiveram de ser substituidas por oferendas animais, Observe-se que o homem de oferenda transforma-se em deus e que os animais, outrora divinizados tornam-se oferendas.

No extremo Oriente dois reformadores religiosos, ambos agnóstas, Buda e Mahavira, deram mais um passo a frente a acabaram abolindo até mesmo o sacrifício de animais. Posteriormente ambos acabaram por ser divinizados por seus adeptos os quais substituiram por suas representações - representações humanas - os deuses animalescos da antiguidade como Ganesha e Vaara.

Cumpre notar ainda que os gregos além de humanizar suas divindades fizeram-nas representantes de um ideal de graça e de beleza. De modo que Apolo tornou-se como que o símbolo imortal da beleza masculina enquanto que Afrodite converteu-se em símbolo da beleza feminina. Já não se tratava de colocar o homem real, com seus defeitos e limitações físicas, sobre o altar, mas de se divinizar a própria beleza humana na harmônia das linhas e traços.

Pode se dizer que os gregos fizeram do estético ou do belo o centro de seu culto em oposição aos ídolos monstruosos cultuados pelos povos antigos.

E do estético passou a evolução ao terreno do ético ou da moral.

Efetivamente os deuses apresentados por Homero na Íliada em nada se distinguem dos mortais exceto pela imortalidade e pela beleza, imortalidade e beleza que adquirem consumindo o néctar e a ambrósia. No mais suas ações e operações refletem sempre os vícios e paixões humanas: Zeus teve por amantes a Leda, Semele, Maia, Europa, Alcmena, etc Hera fazia as vezes de esposa rancorosa e ciumenta, Apolo era dado ao roubo e a mentira, etc

De todas essas lendas valeram-se os Cristãos: Aristides, Quadrato, Milciades, Justino, Taciano, Hérmias, Agostinho, etc com o intuíto de atacarem a religião dos antigos gregos. Já Platão havia empunhado seu látego contra Homero, afirmando que ultrajado a santidade dos deuses...

O fato é que o povo em sua maioria, especialmente a gente dos campos, permanecera insensivel as abjurgatórias de Platão e de seus pares. Quinhentos anos após o lançamento da "República" as massas ainda concebiam os deuses nos termos homéricos ou seja enquanto multiplos e imorais, de modo que a crítica dos apologistas Cristãos era absolutamente justa.

Nas cidades porém formara-se já no século anterior a Platão um núcleo de intelectuais que concebiam as divindades homéricas como emanações ou atributos de Zeus, o Deus único e monarca supremo do universo. O próprio cárater de Zeus distinguia-se perfeitamente dos deuses homéricos pela santidade, pelo amor a justiça, pela misericórdia, etc

Eis o testemunho eloquente de Ésquilo:

"O pensamento de Zeus é díficil abarca-lo,
brilha em todos os lugares
mesmo na treva da noite e no coração dos homens angustiados...
Na mente de Zeus estão todos os seres,
pela profundeza da realidade
Se estendem as sendas dos seus desiginios
Que não somos capazes de compreender...
Ele não emprega de violência em suas empreitadas
Para Deus nada é díficil de realizar,
Serenamente executa seus ditames
Assentado sobre os sólio magestoso planeja
E assim se cumpre." in Aischylos, p 58
Paralelamente os conceitos pertinentes a religião popular também iam passando por uma depuração, lenta, porém real.

Se tomar-mos como exemplo o aspecto da representatividade dos seres divinos no contexto da religião pagã, a evidência quanto a esse processo é por assim dizer a toda prova.

Segundo cremos os primeiros deuses cultuados por nossos antepassados estavam relacionados com as forças ou fenômenos naturais fossem de natureza cósmica ou telúrica, isto é concernentes aos astros ou a terra.

Nesse contexto o mais provável é que prestassem culto aos próprios elementos enquanto tais adorando astros, pedras, fontes, etc sem necessidade de representa-los uma vez que estavam sempre presentes em todo tempo e lugar.

Os arqueólogos tendem a afirmar que as diversas estátuetas femininas, representando mulheres obesas ou grávidas e cognominadas Vênus, estão relacionadas com o culto duma espécie de deusa mãe - relacionada com a terra e talvez com a germinação das sementes - mas, tais afirmações são puramente hipotéticas se levamos em consideração a inexistência de fontes escritas. Encaradas como objetos de fetiche - algo semelhante ao nosso Vodú - tendo em vista o sucesso da procriação e do parto, nada nos obriga a encara-las como representações de divindades...

Embora não possamos averiguar com absoluta certeza por falta de provas concludentes estamos persuadidos de que as forças naturais divinizadas pelo homem durante o neolítico, foram quase que imediatamente extendidas aos animais e vegetais. Se levarmos em consideração que a temática dominante nas pinturas parietais é a fauna e que tais pinturas foram confeccionadas com o objetivo fetichista de se garantir uma caça abundante, fica fácil de se compreender como o homem primitivo associou ao culto das fenômenos naturais que o aterrorizavam, o culto dos "espíritos" animalescos que desejava apaziguar ou até mesmo, conquistar a afeição, sempre com o intuíto de garantir o sucesso em suas caçadas.

Nas civilizações agricolas e sedentárias, devido a necessidade de se aplacar os elementos e preservar as culturas predominou decerto o culto as divindades fenomenais, enquanto que nas civilizações semi sedentárias dependentes da caça floresceu o culto dos espíritos anímalescos, culto que acabou dando origem ao totemismo.

A ideologia totemista postulava uma aliança entre espírito de um determinado animal - o urso, o leão, o touro, etc - e um determinado grupo humano ou clã. O animal tanto podia ser aquele de que o grupo mais dependia enquanto fonte de suprimentos, quanto um animal que lhe prestasse auxilio em suas caçadas, como o cão por exemplo. Em diversos casos concluia-se por uma perfeita identidade entre o espírito daquele animal e cada um dos membros do grupo, segundo criam os caracteres e poderes do espírito em questão eram - em certas circunstâncias - assimilados por seus adoradores.

Mais tarde, com o desenvolvimento da agricultura a caça ao animal símbolo do grupo acabou sendo vedada e o consumo de sua carne considerada um tabú ou maldição. No Egito, como já dissemos, a exaltação dos espíritos totêmicos de cada nômo acabou dando origem a uma espécie de culto "sui generis" a zoolatria.

Seja como for parece certo que os primeiros deuses a ser representados foram representados sob a forma de animais. Parece que dentre esses animais predominou a figura do touro, representado como divino primeiramente nas pinturas de Çatal Huyuk ( + - 7000 a C), e posteriormente em Harappa, em Creta, no Egito, na Península Ibérica, etc Parece que devido a sua constituição robusta o touro o touro como que representava todos os espíritos animalescos...

Parece que no alvorecer do período histórico um certo intercâmbio ideologico entre os povos acabou por associar o fenomenismo naturalista com o totemismo de modo que a cada divindade-fenômeno passou a corresponder uma divindade animal e vice versa. Esse tipo de associação era geralmente representado por um animal acima do qual ou sobre o qual era gravado um símbolo fenomenal cósmico ou telúrico...

O Hórus egipcio por exemplo, era representado por um falcão cuja fronte era nimbada pelo disco solar.

Parece que foi na suméria que o elemento humano foi introduzido pela primeira vez nas representações divinas.

Alguns arqueologos sustentam que certas esculturas humanas encontradas nas tumbas pré dinásticas do Egito, são representações de divindades, parece, entretanto que se tratam de figuras de adoradores, quicá tomadas a arte religiosa sumeriana. Haja visto que, nas paletas pertencentes a época tinita - inclusive na de Menés/Narmer - a divindade principal: Hórus, continua sendo representada exclusivamente pelo falcão e pelo disco solar, sem quaisquer traços humanos.

É na Suméria que nos deparamos pela primeira vez - cerca de 3000 a C - com uma representação semi humana do divino. Trata-se daquele selo no qual Enki, o deus das águas é representado como uma espécie de sereia ou seja metade homem, metade peixe. Segundo Berósio os sumérios haviam sido instruidos por um ente metade homem metade peixe chamado Eoanes...

Pouco depois, cerca de 2.500 a C já nos deparamos com um Enki totalmente humano, exceto por suas mãos donde saem fluxos de água, e pelo seu totem/símbolo o peixe.

Enlil, muito provavelmente representado como um bode nos tempos pré históricos, passa a ser representado por uma espécie de sátiro, ou seja, por um homem com orelhas, rabo e pés de bode.

Inana, quiça representada por uma ave nos tempos pré-históricos passa a ser representada por uma mulher com quatro asas.

Aos poucos todos os membros do panteão sumeriano vão assumindo formas cada vez mais humanas, até que se em sua maioria se convertem em homens ou mulheres acompanhados por animais totêmicos e símbolos fenomenologicos. Nos períodos Babilônico e assírio, tais transformações se acentuam ainda mais de modo que os próprios símbolos acabam desaparecendo e com eles os derradeiros vestígios de naturalismo e totemismo. Surpreendentemente algumas representações animalescas permanecer irredutiveis a quaisquer transformações tais como a da divindade assíria Nesroc, representada por um homem com cabeça de águia...

Da suméria tais transformações passaram ao Egito de modo que os deuses também passram a ser representados com o corpo humano e cabeça de animal. Posteriormente algumas divindades como Osíris, Isis, Néftis e Amon antropomorfizaram-se por completo, mantendo junto a si porém, o animal totêmico. A maior parte das divindades porém, como Toth, Anubis, Sekmeth, Hator, etc, não acompanhou essa transformação, que sendo assim permaneceu marginal.

Nem no Egito, nem na Suméria a religião foi capaz de romper definitivamente com o zoomorfismo. Com maior ou menor proporção o zoomorfismo sempre permaneceu presente no imaginário divino dos povos orientais, seus sacerdotes iniciaram a revolução antropomórfica, mas não foram capazes de consuma-la, certamente que o antropomorfismo só poderia triunfar por completo numa estrutura social tanto mais dinâmica quanto perticipativa: a pólis grega.

terça-feira, 11 de março de 2008

Após Xenófanes, Parmênides e Melisso, floresceu Anaxágoras de Clazômenas, o qual em seu livro "Da natureza" exprimiu estes pensamentos:

"E como haviam de ser e como eram, e quantas são agora e quantas serão depois, tudo o Espírito dispos e também as revoluções que hora se sucedem nos astros, no sol, na lua, no ar, no éter, conforme seus movimentos... certamente nenhuma coisa se distingue da outra, exceto o Espírito. O Espírito é idêntico e sem medida, exceto ele nada é idêntico, pois tudo é limitado.."

Quanto ao significado destes seus pensamentos, ouçamos o divino Platão:

"Certo dia ouvi alguém ler de Anaxágoras, como dizia, que uma mente é coordenadora e causa de tudo. Encantado com essa causa e, de certa maneira, perecendo-me bem que a mente fosse causa de tudo pensei: "Se isto é assim, a mente coordenadora organiza tudo e estabelece cada coisa da melhor maneira possível... imaginei ter encontrado em Anaxágoras um mestre da causa dos seres." in Fédon 97b

E noutro passo: ""Mas Anaxágoras diz que o justo é Espírito, pois este sendo independente e com nada se confundindo, coordena as coisas dispondo-as todas," in Crátilo 413c

Aristóteles por sua vez tece o seguinte comentário: "Como princípio, ele coloca o Espírito acima de todas as coisas, pois é o único dos seres conforme declara "simples, puro e sem mistura." E atribui ao mesmo princípio ambas as funções: o conhecer e o dispor, afirmando que esse espírito é origem do movimento." in "De anima"I, 2. 405-415

Ainda segundo o estafigirita "Se alguém diz que o Espírito esta presente nas coisas, digo na natureza enquanto causa do universo e seu ordenador, parece-me um homem sóbrio em contraste com aqueles que falaram, ao acaso, antes dele. Sabemos, com efeito, que Anaxágoras professou claramente esta teoria, mas Hermótimo de Clazômena, tem a fama de te-la concebido originalmente." in Metafísica, I, 3. 984b

Posto esta que Anaxágoras e todos os Filósofos que lho precederam não concebiam o Ser Supremo como um homem ou velhote encarquilhado assentado num trono sobre as nuvens do céu... essa imagem patética, tão comum ao pensamento semita jamais passou pela cabeça de qualquer pensador helênico...

Pois até Platão, todos os sábios gregos foram adeptos da imanência ou da presença de Deus no universo, do qual ele por assim dizer era inseparável. Por isso diziam que o Ser Supremo era a alma do mundo, ou seja, um Espírito isento de forma difuso por toda sua extenssão sem ser localizável em qualquer ponto...

Dentro desta visão não havia espaço para qualquer espécie de criação ex nihil.

Segundo o pensamento grego a matéria, tal e qual o espírito ou a mente que lha penetrava era eterna e sem princípio. Competia ao Espírito não o ato de cria-la, mas sim o ato de informa-la, de dar-lhe uma forma ou de organiza-la.

Para os antigos gregos Deus era antes uma mente coordenadora que agia sobre a matéria, que uma força criadora que lha retirava magicamente do nada...

Nem por isso os gregos confundiam as coisas divinizando a matéria... para eles a mente divina e a matéria sob a qual essa mente exercia sua ação ordenadora, acabavam por fazer um todo integrado e perfeito. Além da matéria distinguiam perfeitamente uma mente, um espírito, um Ser ordenador, mas não separavam este ser da matéria sobre a qual agia.

Espírito ordenador e matéria ordenada eram, por assim dizer um todo harmonioso.

O Espírito divinizava a matéria atuando de forma inteligente sobre ela e a matéria era divinizada recebendo sua forma do Espírito divino, em as duas realidades, inda que distintas acabavam por formar um todo orgânico.

Não se trata como querem alguns de monismo, pois os principios ordenador e ordenado eram coertenos, mas também não se trata dualismo ja porque, mesmo sendo distintos, acabavam por formar um todo harmonioso: o pensamento grego sobre Deus é irredutivel as duas definições modernas. É certo todavia, que não separavam o Criador de sua criação como os adeptos da transcendencia e que escapando ao dualismo não faziam dele um ser localizavel...

Quanto as limitações deste tipo de concepção distinguo antes de tudo o perigo de se cair no panteismo ingênuo que identifica Deus com o universo ou a matéria e que, suprimindo o princípio imaterial converte-se num ateismo muito mal disfarçado. Tal não era o pensamento dos filósofos acima referidos, os quais sem negar a especificidade do princípio imaterial, nem por isso separavam-no do universo material, mas, faziam-no presente nele ou seja imanente e difuso.

O segundo grande risco que se corre ao esposar tal opinião é encarar o mundo como parte de Deus, logo, como um ser constituido de partes, Sobre essa opinião nutrimos os mesmos sentimentos que Agostinho: "Se é assim, quem não vê quanta impiedade e irreligiosidade se segue, posto que, ao pisar, se pisa uma parte de Deus e, ao matar qualquer animal, se reduz a pedaços uma parte de Deus? Não quero nem dizer o quanto pode vir a imaginação e não pode dizer-se, sem que a gente core de verginha." in Civita Dei IV,12

Por isso os filósofos costumavam dizer que o universo, sendo todo penetrado pelo poder divino e por assim dizer divinizado não era parte de Deus ou Deus em si mesmo. Sendo metaforicamente chamado corpo divino nem por isso era considerado como uma parte constituitiva de Deus. Deus proprimente dito era apenas o elemento imaterial, o elemento material era seu campo de ação, divinizado e glorificado por ele.

O terceiro grande risco implicado nesta concepção da imanência é que evitando localizar ou situar Deus fora do mundo, caimos no erro de circunscreve-lo aos límites deste universo. Os gregos porém imaginavam um universo ilimitado.

Mesmo quando levamos em conta os riscos e abusos a que a teoria da imanência esta sujeita, não podemos deixar de reconhecer sua superioridade quanto a teoria rival - predominante nos meios semitas - que separando radicalmente o Criador das criaturas ou Deus do mundo, acabou por localiza-lo, por traduzir sua natureza em termos humanos e por mergulhar no pântano do antropomorfismo. Dir-se-ia que o deus hebraico separado do mundo acabou convertido num homem absolutibilizado, num monarca celestial a semelhança dos monarcas orientais, num imperador divino com seu palácio, trono, côrte, exércitos, corrêio - os anjos importados do zoroastrismo - , num juiz com seu tribubal divino, promotores, advogados, ofíciais, etc

A imanência, mais do que a transcêndencia soube respeitar o cárater espíritual da divindade e a teodiéia helênica é a maior prova a esse respeito.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Ficasse o gênio grego - tão fecundo nas mais diversas áreas do conhecimento humano - inativo e ocioso diante da questão teriamos diante de nós uma anômalia inexplicável...

O caso é que desde o século VI a C os gregos tomaram ciência da unidade divina por via meramente racional e reflexiva.

Tão nítido foi o conhecimento aurido pelos gregos a esse respeito que diversos Padres da Igreja como Aristides, Atenagoras, Justino, Clemente, Orígenes, Eusébio, Agostinho, etc atribuiram-lhe a faculdade da profecia.

"Todos os que pensaram deacordo com a razão divina são Cristãos - embora tivessem sido considerados ateus pelos politeistas - tais são, entre os gregos Sócrates e Heráclito e entre os bárbaros Abraão, Ananias, Azarias, Mizael, etc" escreveu Justino em sua primeira apologia.

Parece que o primeiro filosofo a deduzir a unidade divina foi Xenófanes de Colofão.

"Os mortais creem que os deuses são gerados,
que como eles se vestem tem corpo e voz...
Os egipcios dizem que os deuses tem nariz chato e são negros,
os trácios que tem olhos verdes e cabelos ruivos...
Mas se mãos tivessem os bois, cavalos e leões
e pudessem com elas desenhar e criar obras como os homens,
os bois, cavalos e leões representariam seus deuses,
como bois, cavalos e leões, tais e quais eles mesmos são...
Existe um único Deus, superior a deuses e homens,
Ele não se assemelha aos mortais nem pela forma nem pelo entendimento."

Eis o que ele escreveu sobre a divindade.

Após ele a unidade foi afirmada por Parmênides de Elea:

"Eis os indícios do ser: sendo ingênito é imperecivel,
pois é pleno inabalavel e sem fim,
nem conhece passado ou futuro mas presente continuo,
é uno e sem começo,
não possue extensão ou volume,
Nem podemos concebe-lo nitidamente e palavras faltam para descreve-lo...
Nele não há divisão ou partimento, pois é todo indêntico,
Nele não há nem menor nem maior,
Pois é absoluto.
Por outro lado é imovel em límites de imensos liames,
É sem princípio, dinâmico, incorruptivel,
Mas os homens para longe se afastaram desta crença verídica." Da natureza VIII

Parmênides foi sucedido por Melisso de Samos, o qual testifica:

"Assim, pois, é Eterno, Infinito, Único e Pleno.
Jamais haverá de perecer ou de vir a ser maior,
Tampouco haverá de passar por quaisquer transformações,
E nunca experimentará a dor ou o sofrimento
Pois se experimentasse tais vicissitudes não seria o Único,
se se altera perder sua simplicidade,
perece o que não era antes e que depois deixara de ser...
Não recebe acrescimo, não perece, não se altera, não muda, como os demais seres,
Imovel." Sobre o Ser VII
Enquanto isso, do outro lado do mundo, a consciência humana não permanecia ociosa quanto a aquisição da verdade.

Enganam-se por completo aqueles que imaginam ter sido o monoteismo uma aquisição exclusiva do pensamento Ocidental ou que sua descoberta esteja ligada a uma determinada região do planeta. Muito pelo contrário trata-se duma idéia apreendida por elementos pertencentes as mais diversas culturas e geograficamente separados uns dos outros por uma larga extenssão de terras.

Aflorou na China e aflorou na ìndia, como testemunham as fontes e documentos religiosos daqueles povos, embora fosse, posteriormente eclipsado pelos preconceitos religiosos e crendices que prevalecem nesses países até os dias de hoje.

Cerca do século V a C floresceu na antiga China um dos homens mais extraordinários a que se referem os anais da História: Motse. Segundo Mencius, Motse "seria capaz de sacrificar a cabeça e os calcanhares em benefício da humnidade.". Chuangtse descreve os seguidores de Motse como homens que trajavam fatos grosseiros, que calçavam sandálias e que tinham por escopo viver apenas com o que fosse estritamente necessário, sem luxos e dissipações.

Na esteira do Faraó herético esse São Francisco Chinês escreveu um livro inteiro com o objetivo de mostrar a todos os homens a futilidade da guerra.

"O Céu, diz ele, deseja que os homens se amem uns ao outros e se auxiliem mutuamente e reprova que se odeiem e prejudiquem."

E arremata: "O céu deseja a jutiça e abomina a iniquidade."

Eis como se expressa sobre as guerras: "Asssim quando se comete um crime isolado todos o consideram digno de condenação, mas, quando esse crime assume proporções maiores como ocorre nas guerras, ninguem lho conden, antes aplaudem-no. Acaso há justiça e ponderação nisto? Assim concluimos que as autoridades não sabem a diferença que há entre o justo e o iniquo.".

Passando aquelas regiões tropicais que se situam entre o Ganges e o Indo, nos deparamos com estas luminosas expressões:

"Não há senão um Deus e não pode haver outro. Só ele governa e rege o universo pelo poder superno. Ele está por trás de todos os seres e foi ele quem criou os turbilhões de mundos. Ele é o protetor generoso que tudo ampara e sustenta até a consumação dos tempos.

Ele é o Criador e a origem dos deuses todos, Único e grande vivente, Senhor de tudo, criador de tudo o que há.

Conheço a imenssidão do teu ser e sou iluminado em meio a escuridão. Aquele que obteve este conhecimento não conhecerá a morte, eis o único caminho a ser trilhado.

O universo todo está cheio da tua presença soberana e além da qual não há coisa alguma. Pois estás sozinho contigo e desacompanhado.

Tú não possues qualquer tipo de forma e não és dominado pela paixão.

Grande pessoa e Senhor que moves a nossa existência, a tua natureza é pura, és onipotente.

Onipresente é e tudo sabes...

Teu espírito incorporeo é que governa todas as coisas." In Upanishad Svetasvatara.

"Todos os seres habitam em mim, mas, eu não habito neles.

Como o ar sendo amplo se move em toda parte, todos os seres existem em mim...

Mas ouve filho de Kunti: os que possuem a alma grande esses reconhecem-me a mim como fonte imutavel dos seres e adoram-me com devoção exclusiva e fervorosa.

Eles contemplam a minha glória e curvam-se reverentes diante da minha magestade eterna.

Eles reconhecem-me como o único, o exclusivo e isento de formas.

Eu sou as ervas do campo, o cântico sagrado, a oblação ritual, o fogo e o sacríficio.

Sou Pai e Mãe do universo, o grande sustentáculo, o Senhor supremo, o único, o misericordioso.

Sou o caminho, o amparo, o amigo, a prova, a morada, o refúgio, o princípio, o fim.

Sim Arjuna eu sou a fonte de todo calor e retenho a brisa em meu poder.

Sou a morte e a imortalidade, o oculto e o manifesto.

Os que me adoram e me consagram todos os pensamentos, a esses devotos eu prometo a felicidade e concedo a remissão.

Aqueles que associam outros deuses a mim e lhos adoram pecam contra a lei, pois até mesmo essas divindades me adoram.

Pois somente eu sou o Senhor enquanto eles desconhecem a verdade e estão sujeitos a roda dos nascimentos.

Os que adoram os deuses vão para os deuses, os que adoram ancestrais vão para os ancestrais, os que adoram os espíritos vão para os espíritos, mas os meus adoradores vem até mim.

Aquele que com devoção me oferece uma folha, uma flor, um fruto, uma gota dagua com devoção eu aceito.

Eu sou o mesmo para todos os seres e não faço distinção de pessoas. Os que me adoram piedosamente estão em mim e eu neles...

Todos os deuses não conhecem a minha origem, pois eu sou a origem dos deuses e espíritos.

Eu jamais nasci ou fui gerado, em mim não há princípio pois eu sou o Senhor Supremo do universo...

Eu sou a fonte de todos os seres, tudo parte de mim e me presta culto.

Os corações que se saciam de mim fluem duma alegria eterna." Bagava Gita. cap IX e X

Posteriormente esses pensamentos foram reeditados por Manikka Vasagar, Ramajuna e Mandhava o Amandatritha, no decorrer da era Cristã.
Segundo cremos o profetismo assinala as culminâncias supremas do pensamento religioso israelita.

Qual Lázaro redivivo se desprendeu das faixas que lho envolviam, o monoteismo hebraico, sob a tutela do profetismo, desprendeu-se gradativamente das limitações morais que lho obscureciam.

Pois daquele deus egoista e centrado em si mesmo que disputava com o infeliz Jó, passou o pensamento monoteista a concepção de um Deus voltado para fora de sí mesmo, de um Deus que é benfeitor, magnânimo, filantropo, amigo enfim do gênero humano.

De um Deus que sendo sumamente feliz pela contemplação de sí mesmo não tem outra necessidade além de partilhar essa contemplação com todos os seres que chama a existência e que por assim dizer chama para glorificar.

O dia em que o profeta pode exclamar jubiloso: Esquecei a arca do pacto! Constitui um marco na História religiosa do povo de israel, pois significa em última analise uma ruptura com o fetichismo e o ritualismo até então dominantes.

Apóstolos duma transcendência absoluta que exclui qualquer possibilidade de representação, os profetas hebreu, proclamam uma verdadeira cruzada contra a idolatria e sob o reinado de Josias promovem a destruição de todos os fetiches, sob esse aspecto eles já nos fazem antever o iconoclasticismo maometano.

Pois nem tudo são rosas e os significativos progressos feitos nesse período não são capazes de excluir de todo alguns nuances sombrios, nuances que teem atravessado os séculos até nossos dias. Refiro-me ao exclusivismo e a intolerância religiosa... Alguem chegou a escrever que esse defeito constitui o pecado original de todos os monoteismos e que os monoteismos são todos intolerantes por natureza.

Talvez por isso o monoteismo não tenha tido para Jesus de Nazaré essa significação obcessiva que sempre teve para os hebreus, maometanos e cristaõs nominais. Certamente que Jesus afirmou o monoteismo, mas não permitiu que sua pregação fosse totalmente absorvida por ele e que o Cristianismo ficasse restrito a questão da quantidade divina...

Pois se a um tempo os profetas vindicam o espírito católico acolhendo os gentios no seio do jeovismo, é necessário deixar bem claro que o gentio só é encarado como ser humano tendo-se em conta sua adesão ao Deus único. Ainda não é possivel falar numa dignidade inerente a natureza ou a condição humana pois é pela profissão de fé que o homem torna-se digno ou melhor humano.

Pelo uso indevido ou abuso de sua liberdade pessoal, expresso no culto as divindades falsas o pagão deixa automaticamente de pertencer ao gênero humano e como tal fica votado a destruição.

A aplicação de tais princípios é rigorosamente observada por todos os antigos profetas, pois se Elias ao defender Nabot contra Acab se põe a frente de seu tempo não exita em imolar os quatrocentos sacerdotes de Baal... Eliseu por sua vez, o mesmo Eliseu que pondo-se a frente de seu tempo obrigou o rei de Israel perdoar os oficíais de Ben Adad, esse mesmo Eliseu envolve-se numa conjuração responsável pela destituição e pela morte de Jezabel...

Ao invés de suscitar sentimentos de compaixão e de misericórdia pelos ignorantes e transviados o monoteismo profético inspirou apenas rancores, tal como inspiraria a Maomé e aos reformadores protestantes nos tempos futuros...

domingo, 9 de março de 2008

Exterminadas as nações pagãs que ali viviam - Jebuseus, fereseus, amoreus, heteus, etc - e submetida a terra de Canaã ao controle dos Hapiru, não é possivel detectar quaisquer progressos no que concerne a natureza de Deus. Evadida da terra do Egito e submetida ao contrôle férreo duma casta sacerdotal que se afirmava sucessora de Aarão, a consciência religiosa dos hebreus só viria a conhecer alguma evolução, cerca de setecentos anos depois por volta do século VIII a C, no tempo dos grandes profetas.

Durante todo esse período que vai da conquista de Canaã - iniciada em 1400 a C - a geração de Isaías - cerca de 740 a C - o povo hebreu continuou a adorar Jeova seu deus, sem no entanto negar a existência das divindades gentílicas. E como a teoria dos milagres e das intervenções divinas sempre deixa a desejar, quando o senhor não lhes concedia o que lhe pediam, os hebreus acorriam em massa aos altares de Moloch lançando seus filhos ao fogo...

E de Moloch corriam a Jeová, conforme suas necessidades materiais levava-os a suplicar outro favor. Pouco se lhes dava que deus fosse Jeova, Moloch, Kemosh ou Apis desde de que satifizesse seus pedidos...

Tal e qual os nossos religiosos de hoje, os antigos hebreus em sua maioria prestavam culto a uma única divindade: o próprio ego, quer sob a alcunha de Jeova ou de Moloch...

A partir do século VIII a C porém a consciência hebraica dará verdadeiros saltos espirituais em direção da natureza divina.

Saltos que estão diretamente relacionados com um movimento que se convencinou chamar de profetismo.

Os profetas eram homens que se diziam animados ou inspirados pela divindade com o objetivo de implantar de fato o monoteismo mosaíco no coração das massas, até então voltado para as divindades estrangeiras ou como já dissemos para o próprio ego.

Pífia teria sido sua importância, todavia, caso seu enfoque tivesse incidido apenas sobre a questão da quantidade ou do monoteismo. Mas os profetas souberam supera-la preparando o terreno religioso para a semeadura evangélica.

Pois para além da questão da quantidade eles souberam abordar a questão crucial da qualidade divina ou da natureza moral de Deus.

Eles são os iniciadores e promotores duma revolução espiritual destinada a transportar o Xeque espiritual concebido por Abraão num Pai de amor e bondade, amante de todas as suas criaturas e solícito pela conservação de todos os seus filhos.

Para esses homens cheios de intuição e sabedoria Deus já não é uma força caprichosa que faz de sí mesmo um padrão mutavel de justiça.

Como afirma Oliveira Lima: "O Deus de Isaías não é decerto uma vontade arbitrária, pois a bondade e a justiça aparecem já como condicionantes dessa vontade."

De alguma maneira os sentimentos desse Ser se identificam com os sentimentos mais elevados e admiráveis de que temos conhecimento neste mundo: Acaso poderá alguma mãe regeitar seu filho nascituro, ainda que tua mãe de regeita-se o Senhor Deus não te regeitaria! O mesmo Isaías atribui estas outras palavras ainda mais admiraveis ao Criador: com maternal afeto vos hei de guiar!

Ezequiel faz emergir do quotidiano semita a sublime figura do Bom Pastor, reeditada posteriormente pelo próprio Jesus:

"Ovelhinhas de minhalma, eis que vos hei de pascer e auxiliar no parto, as perdidas pelas urzes essas buscarei, as frageis erguerei. As estropiadas socorrerei, as enfermas curarei, pelas sãs e fortes velarei constante e a todas guardarei no caminho do bem." Ez 34,16sg

O espiritualismo e a infinitude divinas são levados pelo vidente a suas últimas e necessárias consequências: Deus não é homem para que habite uma casa erguida por mãos humanas!

E ainda hoje os Cristãos nominais ousam situar espacialmente o infinito em seus templos...

O espírito católico que animara o Faraó incompreendido em Amarna ora floresce nas almas dos sábios israelitas: "Minha casa será uma casa de oração para todas as nações!" exclama um.
"Não se diga que eu regeito o estrangeiro que se entregou a mim" Is 56,3 exclama outro...

Os clamores dos pobre ou seja os problemas sociais, chegam aos ouvidos de Deus e passam a ser integrados a temática religiosa. Isaías exclama preludiando Jesus a um tempo e Proudhon a outro: Maldito aquele que acrescenta casa a casa e campo e campo!

A antiga noção ritualistica de santidade, tão cara ao sacerdócio é atacada em alto e bom som:
"Para que me servem os vossos sacrifícios? Diz o Senhor
Já estou farto dessa sangueira e não me deleito na gordura das hecatombes...
Cessai de profanar o meu santuário...
Não posso suportar a iniquidade associada a solenidade
Vossos ritos todos minhalma detesta,
Abomino vossas cerebrações e já não posso suporta-las
Não estendai em minha direção as vossas mãos ensanguentadas,
Não vos hei de ouvir.
Lavai-vos e purificai-vos de verdade:
Tirai de minhas vistas vossas más ações,
Cessai de práticar o mal e aprendei a fazer o bem
Buscai a justiça e o direito,
Ao opressor puní,
Ao orfão, ao estrageiro e a viúva amparai! Is 1,1o sg

A teoria de que os inocentes respondem pelos pecadores é formalmente regeitada:
"O filho não sofre o castigo da iniquidade no pai e o pai não sofre o castigo da iniquidade no filho." Ez 18,20 Sendo erigido como sagrado o princípio da responsabilidade pessoal.

Parece que já estamos a ouvir a voz do divino Mestre emanando das bocas de Isaias, Jeremias, Ezequiel, Amós, Miquéias...
Em consonância com a idéia errônea que faziam a respeito na natureza ética de Deus, os bárbaros hapiru acabaram por perpertar em seu nome um dos primeiros genocídios da História.

Para que compreendamos o porque da limpeza étnica posta em prática pelas doze tribos na Palestina ou Canaã, como era então chamada, é necessário que tenhamos presente diante de nós que se o legislador hebreu conseguiu assimilar as noções de espiritualidade, eternidade e unidade divina, não fora capaz de sacar as devidas consequências e de concluir que esse Ser divino havia criado todo o universo, todas as nações e todos os povos. Aquele espírito católico que encontramos expresso com tanta clareza nos escritos de Iknaton, só emergirá na rude consciência dos Israelitas setecentos anos depois, no tempo dos grandes profetas.

Por hora esse Espírito Eterno e Único reverenciado pelos hebreus é encarado como monopólio ou possessão sua, ou antes israel é que passa a ser encarado como o único povo, como a única nação, como a única coletividade criada por deus. Sob este aspecto permanecemos no terreno do paganismo, pois cada povo considerava-se criado por um e para um deus, encarando os demais povos como criaturas produzidas por outros deuses, deuses que a consciência hebraica não tardará a encarar como diabos, em suma: os povos pagãos teriam sido criados pelo demônio e vomitados pelo inferno.

Encarados dessa forma, como alienigênas ou possessos a sorte dos cananeus foi bastante ingrata: segundo as crônicas posteriormente forjadas pelos sacerdotes, o deus único havia prometido aquelas terras todas, como herança a Abraão e a sua posterioridade. De modo que exterminar os pagãos e apossar-se delas era como que um dever para com a religião de seus antepassados.

Não se dando por satisfeitos com atribuir esse roubo a divindade os senhores do templo atribuiram outros tantos crimes, ainda mais revoltantes a sua natureza. Pois registraram em seus livros sagrados que o próprio deus teria votado nascituros, idosos, mulheres grávidas - e pasme - até mesmo animais, a aniquilação.

Não sei que tipo de pecado ou de crimes os animais desprovidos da faculdade de pensar e de decidir podem ter cometido, mas do contrário os escritores judaicos é que devem ter cometido alguns pecadilhos...

Até hoje, em pleno século XXI, milhões de Cristãos nominais ainda consideram esses crimes tão hediondos como sendo a expressão da mais fina justiça, pelo simples fato dos sacerdotes judeus terem-nos atribuidos a vontade divina!

Os próprios hebreus não eram, em certas circunstâncias tratados com mais equidade:

Moisés não sofre qualquer penalidade por ter quebrado as tábuas escritas pelo próprio deus, mas é castigado por ter batido três vezes com seu cajado numa pedra ordinária...

Aarão seu irmão confecciona uma réplica do boi Apis para o povo e não só permenece impune como revestido do sacerdócio enquanto o povo é massacrado...

Os pais pecam e os filhos e netos é que são punidos até a quarta geração, ou seja, o inoscente para pelo culpado...

Compreende-se que tais noções se reflitam perfeitamente o estado moral de um povo bárbaro, recém saído das areias escaldantes do deserto, mas de modo algum aquele ideal absoluto de justiça concernente a natureza divina!

Pois nesse caso o deus judaico, adorado até hoje por grande parte da Cristandade nominal, se distingue apenas externamente das divindades pagãs, ou seja, em seu número e não em suas relações com os seres humanos.

Será um certamente, um Zeus, um Hermes, um Ares, um Vulcano, etc mas não um Deus, aquele Deus perfeito a que chamamos Pai!
Antes disso porém e bem antes, os selvagens descendentes de Abraão, recém saidos dos ínvios desertos da Arábia, no encalço dos amorreus, heteus e outros povos de origem indo européia penetraram no Delta do Nilo e se instalaram na terra de Gossem, na qual viveram durante gerações sob o beneplácito dos invasores, denominados Heka Chesut ou Hiksos.

Cientes de que o Egito estava passando por mais uma de suas crises insititucionais e dividido em dezenas de nomos ou províncias rivais, os Hiksos não hesitaram em apossar-se de todo baixo Egito chegando a cobrar tributos da própria Tebas.

Ergueram uma cidadela chamada a princípio Avari e posteriormente Tanis, na qual estabeleceram uma monarquia e o culto de seu deus Set, mais tarde idenficado com o Diabo, pelos sacerdotes egipcios. Dentre outros benefícios os Hiksos foram reponsáveis pela introdução dos cavalos, dos carros e do ferro no Egito.

Durante o tempo que permaneceram no Egito - cerca de 200 anos - os hapiru entraram em contato com a nação mais civilizada do planeta e receberam por assim dizer os rudimentos da civilidade...

Foi no Egito certamente que o espiritualismo abraamico se tornou ainda mais nítido, quase que convertendo-se em monoteismo. Monoteismo que se encontra claramente expresso nos escritos do legislador hebreu Moisés.

Segundo S. Freud Moisés era um egipcio, sectário do culto de Aten, que ao ver-se regeitado por seu povo, arregimentou um grupo de escravos asiáticos, muito dos quais leprosos, conduzindo-os a Palestina, onde teria sido assassinado por eles...

Sabemos no entanto que os eventos relatados no êxodo são cerca de meio século anteriores ao reinado do Faraó monoteista, tendo a fuga dos asiáticos ocorrido no reinado de Amenófis II, cerca de 1440 a. C.

Pois a princeza Thermutis, que recolheu o legislador hebreu e fe-lo educar "em todas as ciências dos egipcios" outra não foi senão Hatchepsut Maatkare, a grande faraona que enviou seus navios a terra do Punt e mandou erguer os maiores obeliscos já erguidos nos dois países...

Mal sabia Hatchepsut que ao educar Moisés como princípe egipcio estava a educar uma coletividade inteira e a fornecer-lhe instituições que de alguma maneira se estendem até o século XXI d C!

Como bom aluno dos sacerdotes egipcios que pontificavam nas casas da vida, Moisés apresenta o Ente Supremo sobretudo como um Ser Eterno, fazendo-o dizer ao povo: Eu sou aquele que era, que é e que sempre será, ou seja, o Eterno, o Senhor da Eternidade.

Já os egipcios diziam "Ele é aquele que criou a si mesmo e que subsistirá para sempre.".

Nem por isso o "jeovismo" deixa de apresentar vestigios antropomórficos, haja visto aquela passagem das escrituras hebraicas em que deus é apresentado como tendo saltado sobre Moisés durante a noite com o objetivo de esgana-lo, o que teria feito se Sefóra, esposa de Moisés, não lho tivesse circuncidado...

Apesar da pregação mosaica ser nitidamente monoteista, não é menos verdade que a maior parte do povo hebreu permaneceu henoteista e propenssa a adoração das divindades estrangeiras, ou seja ao politeismo.

O deus espiritual, eterno e único por sua vez ainda não se distingue moralmente das divindades falsas. Trata-se dum deus tirânico, despótico, caprichoso, colérico, vingativo, etc tal e qual Baal, Moloch, Khemosh, Renfã, etc

O dilema de sua quantidade foi superado pela afirmação da unidade, mas, o problema, mais importante, o problema basilar, o problema crucial: o problema de sua qualidade ou de seu cárater, permanece insolúvel ou nos mesmos termos do paganismo.

Sob o aspecto da qualidade ainda estamos diante duma divindade pagã que trata os homens como seus escravos, como seus servidores, como seus empregados e não como seus filhos.

Queremos dizer com isto que o Jeová hebreu - ao menos a princípio - não era condicionado por uma idéia absoluta de justiça, bondade ou misericórdia, mas que o critério de suas relações com o mundo era sua vontade e que sua vontade era o único padrão de justiça. As relações não eram justas em função dum princípio abstrato de justiça reconheciso como tal pelo próprio Deus, mas em função da vontade de Deus a qual poderia muito bem, caso lhe conviesse, declarar a justiça injusta e a injustiça justa...

Tal o sentimento que perpassa todo o livro de Jó: de um homem que tendo sua consciência limpa e serena ve-se contrangido a reconhecer como justos uma série de punições divinas, pura e simplismente porque a vontade caprichosa de seu criador, lhos impõe como tais...

Jó não é apenas um justo, como a piedade tem afirmado, mas alguem que foi injustiçado pela Suma justiça em nome da força. Pois o Deus de Moisés é sobretudo uma força ou um poder... desta concepção ultrapassada é tributário o símbolo de fé, porquanto reza: creio em Deus Pai todo-poderoso, ao invés de proclamar: creio em Deus Pai que é todo amor, bondade e misericórdia e glorificar os santos e divinos Evangelhos.
Seja como for a crítica Bíblica parece indicar que os descendentes de Abraão sem negar a existência de outras divindades - cultuadas pelos outros povos - cultuavam exclusivamente a entidade espiritual concebida por Abraão e a qual designavam por El, Elion, Shaddai, etc

Ao que tudo indica os primeiros hapiru eram henoteistas, adeptos não do monoteismo propriamente dito, mas duma categoria de trasição entre o politeismo e o monoteismo, a monolatria.

O monoteismo, tal e qual lho concebemos, parece ter sido codificado primeiramente no Egito cerca do século XIV a C durante o reinado de Amenofis IV, o célebre Iknaton. Alguns textos inscritos nas antigas pirâmides parecem apontar-nos uma tradição bastante antiga, quiçá restabelecida pelo filho de Teje com fins meramente políticos: diminuir a influência do todo poderoso clero de Amon, divindade oriunda de Tebas, a capital do Novo império.

Que uma certa tendência vaga para o monoteismo sempre estivera presente na mentalidade egipcia, testifica esta passagem do papiro de Berlim: "Ele plasmou todos os deuses, animais e homens, todos os países ele criou e o Oceano que lhos cerca, por isso seu nome é Criador do universo."

Logo de inicio os sacerdotes egipcios, radicados na metrópole de Heliopolis relacionaram esse Artífice supremo com o disco solar. Afinal que outra criatura seria capaz de representar com mais propriedade o Ser divino que o astro rei, fóco de luz e centro do nosso sistema solar?

Já porque dele todos os seres vivos recebem o calor indispensável a existência...

A essa figuração solar da divindade os egipcios deram o Nome de Rá.

Certamente que o mesmo processo de unificação territorial acima apontado concorreu para lançar a confusão entre os espíritos e insinuar a existência de diversas entidades rivais. Já porque se trata-se do mesmo Deus único nomeado de maneira diversa por cada povo, já porque os símbolos ou emblemas totêmicos de cada nomo passasse a ser atribuida uma existência real e a parte do ser simbolizado, já porque os falecidos - em especial os reis - passassem a ser considerados, primeiramente ministros e enfim substitutos da divindade, o número de divindades tornou-se tão elevado quanto na mesopotâmia. Mas, apesar desse aluvião de deuses e deusas o alto clero egipcio sempre conservou latente, uma certa tendência para o monoteismo original.

O próprio Amon de Tebas, divindade tutelar do Novo Império, foi em diversas ocasiões apresentado como sendo o Pai, Criador e rei de todas as demais divindades, no caso emanações ou criaturas suas.

Mas foi o filho de Amenofis III, o quarto faraó desse nome quem de fato sistematizou esse tipo de pensamento, claramente monoteista.

Pela primeira vez na História da humanidade foi afirmada, categoricamente, a doutrina de um Deus, imaterial e invisivel, onipresente, pai e mãe da humanidade e amante de suas criaturas.

Pois para o jovem Faraó Rá Arakte ou Aten não era um deus tutelar do Egito e criador exclusivo de seus habitantes. Para aquele que se fez chamar Iknaten, Aten era o Criador de todo universo e Deus de todos os povos e nações da terra, doutrina farta de consequências éticas, como a fraternidade universal.

Foi Iknaten que pela primeira vez lançou as sementes do pensamento católico ou universal no torvelinho da História humana... mil e trezentos anos antes de Cristo.

Vejamos agora como ele expressou esse pensamento tão lúcido em seu "Hino a Aten":

"Deus único com poderes singulares.
Criastes a terra conforme tua vontade.
Tú, apenas tu.
Os homens e os aminais que caminham sobre a terra...
Os países estrageiros, a Síria, a Núbia,
e a terra do Egito...
Maravilhosos são os teus designios
Tu és o Senhor da Eternidade...
O universo jaz na tua mão,
Tu mesmo lho plasmaste."

Impulsionado seja pela razão de Estado seja por um zelo não muito esclarecido, Iknaten, probibiu o culto das divindades mortas, ordenou a destruição dos simulacros e privou os sacerdotes de suas regalias, mergulhando o país num clima de revolta sem precedentes.

Ao que parece conseguiu grangear um o apoio de certa parcela da população, quiçá entre os mais humildes sob os quais pesava - mais do que sobre quaisquer outros - a mão dos sacerdotes, mas, mesmo assim, teve de mandar construir uma nova capital para si em Amarna.

A força de anatemas, excomunhões, pragas e outras quejandas o clero de Amon foi retomando gradativamente todas as suas prerrogativas tradiconais e isolando o rei "herético" em sua cidade, na qual em meio as maiores angústias veio a falecer, quiçá envenenado por iniciativa dos líderes religiosos, os quais, rapidamente retomaram o controle da situação.

A maioria dos adeptos do novo culto foi pura e simplesmente massacrada enquanto o novo Faraó Tutancamon - antes Tutancaten - reconciliava-se com os padres de Amon e restabelecia oficialmente seus privilegios, merecendo após a morte um féretro dos mais pomposos.

Uma dezena de anos depois o novo Faraó Homreheb, antigo general de Iknaten recém subido ao trono do Egito, vibrou o golpe de misericórdia sobre o culto de Aten, determinando que seus seguidores fossem supliciados como heréticos. Foi assim, que a inquisição politeista deu cabo dã antiquíssima tradição monoteista, presente no Egito desde as primeiras dinástias.

Desde então o culto aos animais divinos passou a tomar cada vez mais impulso até que todo o país se viu dominado pela zoolatria.

A ponto de Luciano se expressar desta forma: "Adentrais em seus suntosos pórticos, no recondito de seus templos, e vos deparais com centenas de sacerdotes em fervorosa adoração, diante dum magestoso escrínio, e por trás desse escrínio vos deparais com cortinas de seda e brocado, e quando as afastais para poder contemplar o deus vos deparais com uma serpente ou um babuino."

Efetivamente é assim: silenciada a vós divina da razão, só resta ao homem, abraçar tudo quanto há de mais grosseiro e tosco sob a face da terra...
Posto esta que, para nós o politeismo e a idolatria são peculiares as civilizações sedentárias e agricolas localizadas, a princípio, nos grandes vales aluvionais.

Certamente que essas idéias religiosas acabaram por ultrapassar os estreitos límites das regiões em que surgiram e vieram a predominar, impondo-se gradativamente as culturas periféricas das regiões mais afastadas.

Isto na medida em que as circunstâncias lho permitiam.

Naquelas regiões nas quais os grupos humanos viam-se obrigados a deslocar-se continuamente, como estepes e desertos, a religiosidade citadina dos templos, fetiches e corporações clericais, encontrou obstáculos intransponiveis e sua implantação foi bastante superficial.

De modo nos povos dedicados ao pastoreio o sacerdócio, ao invés de passar ao domínio público, permaneceu nas mãos dos chefes dos clãs ou patriarcas.

O culto, muito mais simples e primitivo, consistia na imolação de rezes ao ar livre, junto aos bétilos, fontes e árvores sagradas.

A par dos gênios ou espíritos subordinados que habitavam essas paragens, os povos do deserto distinguiam perfeitamente um artífice celestial, eterno, incriado e infinito.

Foi nos desertos que a idéia pura e simples do absoluto ou do artífice universal conservou-se, mais ou menos pura e daí saiu para conquistar o mundo.

Judeus, muçulmanos e cristãos, tem enfatisado excessivamente o cárater sobrenatural e transcendente da revelação obtida por seu patriarca comum Abraão.

Para mim se o termo Abraão significa um individuo ou uma coletividade tribal é de todo irrelevante. Importa-me antes de tudo as transformações porque teria passado a consciência desse individuo ou dessa coletividade, minha crítica não esta voltada para Abraão - o que foi ou quem foi Abraão? - mas para a idéia de Abraão.

Segundo a tradição corrente das formas monoteistas, Deus é que teria se manifestado a Abraão. Tratar-se-ia duma revelação sobrenatural, externa, transcendente e divina. O Deus único teria aparecido a Abraão e se comunicado a ele.

O Talmud, todavia, parece incorporar uma outra versão, quiçá mais antiga, embora não possamos averigua-lo.

Segundo uma se suas narrativas Abraão teria o costume de contemplar os céus e de meditar sobre eles enquanto pastoreava seus rebanhos no deserto. Certa noite nosso homem teria se perguntado qual seria a origem do universo.

Segundo as crenças correntes na cidade de Ur - na qual seus antepassados saidos do deserto haviam se radicado há algum tempo - as supremas divindades seriam os astros e as estrelas do firmamento: Sin, Shamash, Anu, etc

Abraão porém, teria concluido que o sol, a lua e as estrelas não passam em última analise de criaturas carecendo, também elas dum artífice divino... e dos deuses materiais e mortos teria sacado a existência de um Deus espiritual ou dum Espírito universal...

Se para Abraão esses Espírito era único, se era o mais poderoso deles ou se era o único digno de adoração e culto é o que não podemos saber, mas, ao que tudo indica o patriarca do monoteismo foi na verdade o patriarca do espiritualismo e da transcendência divina. Pois enfatizou mais a espiritualidade que a unicidade desse ser recém percebido por sua consciência.

Ao dizer 'percebido por sua consciência' estamos querendo dizer que a revelação Abraâmica foi imanente a consciência de Abraão e não transcendente. Ou seja, foi algo que partiu de dentro de Abraão e não algo que veio de fora. Não foi Deus que se revelou a Abraão, mas Abraão que iniciou a redescoberta de Deus, lançando as bases do espiritualismo teista e do monoteismo (ao menos em potência).

Talvez alguém se pergunte se isso não seria diminuir a figura do patriarca semita ou do grupo que ele representa?

Tenho para comigo que ao invés de rebaixar, estamos é elevando a figura de Abraão. Sim, pois ao invés de atribuir uma idéia tão simples quanto a espiritualidade divina a uma comunicação sobrenatural, significando com isso sua incapacidade ou imbecilidade, estamos, muito pelo contrário vindicando a criatividade ou a originalidade desse grande homem... e ao vindicar a criatividade e a orgininalidade de Abraão estamos de alguma maneira, vindicando a dignidade ímpar do próprio homem, capaz de conceber naturalmente o seu Criador.

Mas isso não implicaria em diminuir Deus?

Certamente amesquinhamos a perfeição divina na mesma proporção em que multiplicamos suas ações ou intervenções no universo...

Pois um dos caracteres da perfeição é agir sempre por causa segundas ou atuar por meio de leis constantes, universais e imutaveis.

Comportando o homem certa similaridade com seu artífice, enquanto ser racional e livre, afirmar sua dignidade e sua capacidade jamais será ultrajar a Deus, mas glorifica-lo. Pois todo artífice é glorificado em suas obras...

Afirmar que a imagem e a semelhança de Deus teria sido incapaz de elevar-se por si mesma a idéia de Deus se me apresenta como a mais abominavel das monstruosidades concebidas pelo cérebro humano.

Postular, como fazem alguns, a incapacidade de Abraão e da humanidade por ele representada, é postular em última analise a incapacidade do próprio Deus criando um ser incapaz de concebe-lo...

Porque Deus sendo magnânimo e generoso haveria de fazer um ser para ser auxiliado se poderia ter feito um ser competente?

Diante de quem Deus desejou manifestar seu cárater de ajudador?

Acaso ele não conheçe muito bem a si mesmo?

É Deus inseguro? Precisa auto-afirmar-se?

Acaso era necessário que ele cria-se os homens em estado de fraqueza e debilidade para ser credor da gratidão humana?

Certamente Deus não tem necessidade de nada...

Os homens que multiplicando suas intervenções ao infinito, atentam contra a perfeição de seu ser.

E este é o caminho do antropomorfismo, a suma corrupção da idéia de Deus.
Devido a natureza etinerante desses povos somos levados a pensar que as representações ou fetiches fossem demasiado raros e incomuns.

Com o desenvolvimento da agricultura o homem ampliou consideravelmente sua autonomia com relação ao meio, pois tornou-se capaz de não apenas produzir seus alimentos, mas até mesmo de conservar algum excedente.

Excedente que possibilitou sua sedentarização.

Ocorre todavia que a sedentarização é uma faca de dois gumes: pois ao mesmo tempo que emancipa o homem nomadismo e capacita-o para produzir uma cultura cada vez mais rica, atrela necessariamente essa cultura e esse homem a uma determinada região, expondo-o em certas ocasiões a um terrivel dilema: manter-se fixo e suportar um certo período de privações ou abandonar todos os bens - digo suas habitações e os túmulos de seus maiores - que não puder transportar consigo, para seguir, como seus antepassados, em demanda doutra região, mais fértil e aprasivel.

Diante desse terrivel impasse, entre o saber como plantar e conservar os alimentos e o de ignorar concomitantemente as leis naturais que presidem os fenômenos e que condicionam a colheita - fadando-a muitas vezes a destuição - o homem encontrou como que uma terceira via na personificação e divinização das forças naturais, nos fetiches, na sofisticação dos rituais, nos milagres, enfim em tudo que se chama religião primitiva...

De sua incerteza e de seu medo brotou um sistema religioso tanto mais complexo. De sua ignorância invencivel brotou a fé nesse mundo paralelo todo povoado de seres divinos...

Em sua ingenuidade imaginou que a chuva seria controlada por um determinado espírito ou deus, que o raio seria brandido por outra entidade similar, o trovão por outra, os raios escaldantes do sol por um outra e em cada fenômeno natural discerniu um agente sobrenatural.

Desta forma as divindades e simulacros foram multiplicados ao infinito e para servir a cada um detes caprichosos senhores foi logo consituido um corpo clerical.

A importância que nossos antepassados ligavam a esses sacerdotes primitivos e aos ritos que oficiavam era por assim dizer tamanha, que parte dos excedentes alimentares lhes era reservada.

Desse modo o primeiro grupo ou casta especializada surgido no corpo social foi o sacerdócio, responsável, segundo criam, pelo bom sucesso das colheitas...

Aliviados de todo trabalho pesado é bastante provavel que esses sacerdotes se dedicassem a observar com máxima atenção tudo quanto fosse concernente a plantação, germinação, colheita, etc; adquirindo com isso as primeiras noções positivas de agronomia, noções que associavam a seus ritos, assegurando de fato o sucesso das colheitas e aumentando ainda mais o seu prestígio.

Surgida nos planaltos centrais da Eurásia a agricultura só foi capaz de engrendrar comunidades tanto mais populosas e complexas, as margens das grandes planícies ou vales aluvionais como o Nilo, a Mesopotâmia e o Indus, regiões que a partir do quinto e quarto milênios a C passaram a ter suas potencialidades exploradas por diversos grupos humanos.

Explorar tais potencialidades significava, grosso modo, irrigar as terras secas que margeavam os rios e regatos dessas regiões, convertendo-as em campos destinados ao plântio de suprimentos.

Como obras tão trabalhosas não podiam ser implementadas pelos individuos isoladamente diversos proprietários tiveram e se associar, misturar, e fundir, para poder criar, todo um sistema, bastante amplo, de canais e comportas.

Certamente que essa associação de trabalhadores favorecia e valorizava o dinamisno daqueles que coordenavam e que passaram a liderar, primeiramente, esses trabalhos e depois toda vida social.

Ao que tudo indica os promotores ou incentivadores dessas obras foram os líderes religiosos e sacerdotes, os quais acabaram assumindo poder temporal na maioria dessas coletividades emergentes.

Essa liderança religiosa ou sacerdotal é evidenciada pelo fato de que os primeiros núcleos urbanos - ao menos na Mesopotâmia e no Egito - concentrava-se em torno dos grandes santuários religiosos.

As pesquisas arqueológicas também tem evidenciado o fato de que nesses santuários ou ao lado deles ficavam localizados os armazens nos quais os excedentes alimentícios eram guardados tendo em vista uma calamidade futura que porventura os ritos não fossem capazes de exconjurar.

Nessas ocasiões os sacerdotes ficavam responsáveis por distribuir rações a toda população o que funcionava como uma espécie de seguro do qual dispunham as grandes cidades.

Foi graças a esse primitivo seguro de vida que a cidade fez tanto sucesso nessas regiões urbanizando-as de modo tão acelerado.

Sabedoras de que nessas coletividades havia uma reserva garantida de alimentos, populações inteiras das regiões limitrofes não tardaram a instalar-se nelas. Com isso a força de trabalho aumentava gradativamente, as obras de irrigação eram intensificadas, a área de plantio aumentava e com ela a produção.

Conforme as populações e grupos tribais iam se instalando na periferia das cidades, levavam consigo suas divindades onerando proporcionalmente o número de deícolas.

A própria divisão e especialização do trabalho, favorecida pelo sedentarismo e pelo acúmulo de excedentes alimentares, não deixou de refletir-se sobre o mundo espiritual de modo que até mesmo os deuses tiveram que especializar suas funções.

Por isso registra o Hiponense no capítulo nono, do sexto livro da "Cidade de Deus." : "Que dizer dos ofícios dos deuses, tão vil e pormenorizadamente repartidos."

"diespiter dava vida ao homem, vaticanus fazia com que soltasse os primeiros vagidos, educa ensinava-o a comer, cumina velava sobre seu berço, statana mantinha-o de pé... vervactor protegia os primeiros trabalhos nos campos, messor as ceifas, convector as colheitas, aesculus guardava as moedas de bronze, argentarius as de prata, iterduca guiava os viajantes, demiduca acompanhavam os homens quando estes regressavam a seus lares, etc." In Mattoso, 1952

Até que - segundo Petrônio - o número de seres divinos acabou suplantando o de seres humanos e a idéia de um Ser absoluto, comum as populações mais primitivas e atrasadas, caindo no mais completo esquecimento.

Evolução do pensamento teista no contexto religioso.

Todos os fenômenos são regidos por uma lei necessária e constante que é a lei da evolução.

Conforme esse paradigma todas as formas de existência tendem a passar do mais simples ao mais complexo.

E de estádio a estádio vão se tornando perfeitas em seu gênero.

Somente uma forma de existência não esta sujeita a esse fluxo universal: a existência divina.

Em plena posse de sua perfeição Deus possui em si mesmo todos os bens e nada lhe falta.

Ele é o único Ser imutável, ato puro e primeiro impulso de todos os seres.

Nem por isso a idéia que os homens dele fazem corresponde a essa imutabilidade e expressa essa perfeição suprema.

Idéia humana - enquanto concebida pelo homem e sugeita a precariedade do nosso aparelho cognitivo - também a idéia de Deus esta sugeita a evoluir...

Também ela vai se purificando de gráu em gráu e se aproximando pouco a pouco da realidade que pretende expressar.

O ato da consciência humana apossar-se do conhecimento divino não ocorreu magicamente, da noite para o dia, mas lentamente, no decorrer de milhares e milhares de anos.

Durante todo esse tempo as concepções mais grosseiras e indignas foram sendo substituidas por outras tanto mais elaboradas e dignas do Ser Supremo, até que estas também tiveram de ceder lugar a novas concepções, tanto mais sutis e aprimoradas...

Ingreme e sinuoso foi o caminho trilhado pela consciência humana, antes que esgotasse todos os seus recursos e tivesse de ser socorrida pela divindade.

A princípio, quando os homens viviam isolados e pequenos grupos de caçadores coletores, a idéia de Deus devia ser sumamente simples: um Criador ou artífice que manipulava as forças da natureza a seu bel prazer, mas que podia ser "aplacado" ou comprado por meio de rituais...

Mas como essa idéia, tão elevada, teria emergido na consciência humana?

A nosso ver a idéia de um Criador ou artífice divino foi a primeira abstração a emergir no intelecto de nossos mais remotos antepassados...

Segundo certos ideólogos a idéia de Deus seria incompátivel com a simplicidade da vida primitiva, prescindindo de certo desenvolvimento material e técnológico para vir a ser.

Grosso modo podemos dizer que a única condição necessária para que a consciência humana apreendesse a noção de um Artífice divino é a noção de artífice.

Ou seja a perpecção de ser ele mesmo, um faber ou fazedor de coisas.

É justamente essa produção material de cultura ou essa atividade de artífice que lho caracteriza como Homo... como Homo faber, ou seja como homem que faz, que produz cultura e que produzindo cultura se humaniza.

Foi esse domínio adquirido sobre a matéria, domínio que lhe permitiu dar-lhe novos contornos, formas e funções, que serviu como ponto de partida para o lento processo de hominização.

Se considerar-mos ao menos a possibilidade de que nossos ancestrais mais remotos - os que encetaram a produção material de cultura - eram perfeitamente capazes de reconhecer os objetos que produziam, somos forçados a concluir que também eram perfeitamente capazes de reconhecer aqueles objetos que porventura fossem produzidos e abandonados por seus semelhantes.

Quero dizer com isso que tão logo percebeu-se a si mesmo como produtor de cultura pode reconhecer a presença de seus ancestrais ou irmãos numa certa região, pelos vestigios culturais nela encontrados. A percepção de objetos ou de restos de cultura material levou nossos antepassados a conclusão de que os sítios em que esses objetos foram encontrados havia sido habitada ou visitada por outros membros de sua espécie.

O que os excrementos, pelos e penas, enfim os vestígios naturais uma presa, significam para um predador qualquer, a cultura material passou a significar para seu produtor: um vestígio inequívoco quanto a presença da espécie num determinado local.

Foi desse raciocínio tão simples, que por analogia, levou o homem a inferir sobre a existência de um autor ou artifíce divino do universo.

Tal e qual não podia passar por sua mente "primitiva" que os vestígios de cultura material com que se deparava no decurso de suas "explorações" fossem eternos ou que tivessem feito a sí mesmos, nosso rude antepassado não podia admitir que as estrelas, o firmamento ou a terra em que habitava fossem eternos ou que tivessem dado origem a si mesmos... donde foi levado a concluir, necessáriamente - por necessidade lógica! - a favor da existência dum artífice ou criador divino.

É possivel que essa constatação tão simples tenha sido feita a mais de um milhão de anos, seja como for trata-se duma constatação tão lógica que ainda não pôde ser substituida por outra melhor... trata-se duma concepção, que, mais do que todas as outras tem enfrentado e vencido a maior de todas as provas com que as idéias são provadas: a prova do tempo. Talvez se trate, simultaneamente de mais antiga e da mais atual de todas as idéias concebidas por nosso aparelho cognitivo.