domingo, 9 de março de 2008

Exterminadas as nações pagãs que ali viviam - Jebuseus, fereseus, amoreus, heteus, etc - e submetida a terra de Canaã ao controle dos Hapiru, não é possivel detectar quaisquer progressos no que concerne a natureza de Deus. Evadida da terra do Egito e submetida ao contrôle férreo duma casta sacerdotal que se afirmava sucessora de Aarão, a consciência religiosa dos hebreus só viria a conhecer alguma evolução, cerca de setecentos anos depois por volta do século VIII a C, no tempo dos grandes profetas.

Durante todo esse período que vai da conquista de Canaã - iniciada em 1400 a C - a geração de Isaías - cerca de 740 a C - o povo hebreu continuou a adorar Jeova seu deus, sem no entanto negar a existência das divindades gentílicas. E como a teoria dos milagres e das intervenções divinas sempre deixa a desejar, quando o senhor não lhes concedia o que lhe pediam, os hebreus acorriam em massa aos altares de Moloch lançando seus filhos ao fogo...

E de Moloch corriam a Jeová, conforme suas necessidades materiais levava-os a suplicar outro favor. Pouco se lhes dava que deus fosse Jeova, Moloch, Kemosh ou Apis desde de que satifizesse seus pedidos...

Tal e qual os nossos religiosos de hoje, os antigos hebreus em sua maioria prestavam culto a uma única divindade: o próprio ego, quer sob a alcunha de Jeova ou de Moloch...

A partir do século VIII a C porém a consciência hebraica dará verdadeiros saltos espirituais em direção da natureza divina.

Saltos que estão diretamente relacionados com um movimento que se convencinou chamar de profetismo.

Os profetas eram homens que se diziam animados ou inspirados pela divindade com o objetivo de implantar de fato o monoteismo mosaíco no coração das massas, até então voltado para as divindades estrangeiras ou como já dissemos para o próprio ego.

Pífia teria sido sua importância, todavia, caso seu enfoque tivesse incidido apenas sobre a questão da quantidade ou do monoteismo. Mas os profetas souberam supera-la preparando o terreno religioso para a semeadura evangélica.

Pois para além da questão da quantidade eles souberam abordar a questão crucial da qualidade divina ou da natureza moral de Deus.

Eles são os iniciadores e promotores duma revolução espiritual destinada a transportar o Xeque espiritual concebido por Abraão num Pai de amor e bondade, amante de todas as suas criaturas e solícito pela conservação de todos os seus filhos.

Para esses homens cheios de intuição e sabedoria Deus já não é uma força caprichosa que faz de sí mesmo um padrão mutavel de justiça.

Como afirma Oliveira Lima: "O Deus de Isaías não é decerto uma vontade arbitrária, pois a bondade e a justiça aparecem já como condicionantes dessa vontade."

De alguma maneira os sentimentos desse Ser se identificam com os sentimentos mais elevados e admiráveis de que temos conhecimento neste mundo: Acaso poderá alguma mãe regeitar seu filho nascituro, ainda que tua mãe de regeita-se o Senhor Deus não te regeitaria! O mesmo Isaías atribui estas outras palavras ainda mais admiraveis ao Criador: com maternal afeto vos hei de guiar!

Ezequiel faz emergir do quotidiano semita a sublime figura do Bom Pastor, reeditada posteriormente pelo próprio Jesus:

"Ovelhinhas de minhalma, eis que vos hei de pascer e auxiliar no parto, as perdidas pelas urzes essas buscarei, as frageis erguerei. As estropiadas socorrerei, as enfermas curarei, pelas sãs e fortes velarei constante e a todas guardarei no caminho do bem." Ez 34,16sg

O espiritualismo e a infinitude divinas são levados pelo vidente a suas últimas e necessárias consequências: Deus não é homem para que habite uma casa erguida por mãos humanas!

E ainda hoje os Cristãos nominais ousam situar espacialmente o infinito em seus templos...

O espírito católico que animara o Faraó incompreendido em Amarna ora floresce nas almas dos sábios israelitas: "Minha casa será uma casa de oração para todas as nações!" exclama um.
"Não se diga que eu regeito o estrangeiro que se entregou a mim" Is 56,3 exclama outro...

Os clamores dos pobre ou seja os problemas sociais, chegam aos ouvidos de Deus e passam a ser integrados a temática religiosa. Isaías exclama preludiando Jesus a um tempo e Proudhon a outro: Maldito aquele que acrescenta casa a casa e campo e campo!

A antiga noção ritualistica de santidade, tão cara ao sacerdócio é atacada em alto e bom som:
"Para que me servem os vossos sacrifícios? Diz o Senhor
Já estou farto dessa sangueira e não me deleito na gordura das hecatombes...
Cessai de profanar o meu santuário...
Não posso suportar a iniquidade associada a solenidade
Vossos ritos todos minhalma detesta,
Abomino vossas cerebrações e já não posso suporta-las
Não estendai em minha direção as vossas mãos ensanguentadas,
Não vos hei de ouvir.
Lavai-vos e purificai-vos de verdade:
Tirai de minhas vistas vossas más ações,
Cessai de práticar o mal e aprendei a fazer o bem
Buscai a justiça e o direito,
Ao opressor puní,
Ao orfão, ao estrageiro e a viúva amparai! Is 1,1o sg

A teoria de que os inocentes respondem pelos pecadores é formalmente regeitada:
"O filho não sofre o castigo da iniquidade no pai e o pai não sofre o castigo da iniquidade no filho." Ez 18,20 Sendo erigido como sagrado o princípio da responsabilidade pessoal.

Parece que já estamos a ouvir a voz do divino Mestre emanando das bocas de Isaias, Jeremias, Ezequiel, Amós, Miquéias...

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