terça-feira, 11 de março de 2008

Após Xenófanes, Parmênides e Melisso, floresceu Anaxágoras de Clazômenas, o qual em seu livro "Da natureza" exprimiu estes pensamentos:

"E como haviam de ser e como eram, e quantas são agora e quantas serão depois, tudo o Espírito dispos e também as revoluções que hora se sucedem nos astros, no sol, na lua, no ar, no éter, conforme seus movimentos... certamente nenhuma coisa se distingue da outra, exceto o Espírito. O Espírito é idêntico e sem medida, exceto ele nada é idêntico, pois tudo é limitado.."

Quanto ao significado destes seus pensamentos, ouçamos o divino Platão:

"Certo dia ouvi alguém ler de Anaxágoras, como dizia, que uma mente é coordenadora e causa de tudo. Encantado com essa causa e, de certa maneira, perecendo-me bem que a mente fosse causa de tudo pensei: "Se isto é assim, a mente coordenadora organiza tudo e estabelece cada coisa da melhor maneira possível... imaginei ter encontrado em Anaxágoras um mestre da causa dos seres." in Fédon 97b

E noutro passo: ""Mas Anaxágoras diz que o justo é Espírito, pois este sendo independente e com nada se confundindo, coordena as coisas dispondo-as todas," in Crátilo 413c

Aristóteles por sua vez tece o seguinte comentário: "Como princípio, ele coloca o Espírito acima de todas as coisas, pois é o único dos seres conforme declara "simples, puro e sem mistura." E atribui ao mesmo princípio ambas as funções: o conhecer e o dispor, afirmando que esse espírito é origem do movimento." in "De anima"I, 2. 405-415

Ainda segundo o estafigirita "Se alguém diz que o Espírito esta presente nas coisas, digo na natureza enquanto causa do universo e seu ordenador, parece-me um homem sóbrio em contraste com aqueles que falaram, ao acaso, antes dele. Sabemos, com efeito, que Anaxágoras professou claramente esta teoria, mas Hermótimo de Clazômena, tem a fama de te-la concebido originalmente." in Metafísica, I, 3. 984b

Posto esta que Anaxágoras e todos os Filósofos que lho precederam não concebiam o Ser Supremo como um homem ou velhote encarquilhado assentado num trono sobre as nuvens do céu... essa imagem patética, tão comum ao pensamento semita jamais passou pela cabeça de qualquer pensador helênico...

Pois até Platão, todos os sábios gregos foram adeptos da imanência ou da presença de Deus no universo, do qual ele por assim dizer era inseparável. Por isso diziam que o Ser Supremo era a alma do mundo, ou seja, um Espírito isento de forma difuso por toda sua extenssão sem ser localizável em qualquer ponto...

Dentro desta visão não havia espaço para qualquer espécie de criação ex nihil.

Segundo o pensamento grego a matéria, tal e qual o espírito ou a mente que lha penetrava era eterna e sem princípio. Competia ao Espírito não o ato de cria-la, mas sim o ato de informa-la, de dar-lhe uma forma ou de organiza-la.

Para os antigos gregos Deus era antes uma mente coordenadora que agia sobre a matéria, que uma força criadora que lha retirava magicamente do nada...

Nem por isso os gregos confundiam as coisas divinizando a matéria... para eles a mente divina e a matéria sob a qual essa mente exercia sua ação ordenadora, acabavam por fazer um todo integrado e perfeito. Além da matéria distinguiam perfeitamente uma mente, um espírito, um Ser ordenador, mas não separavam este ser da matéria sobre a qual agia.

Espírito ordenador e matéria ordenada eram, por assim dizer um todo harmonioso.

O Espírito divinizava a matéria atuando de forma inteligente sobre ela e a matéria era divinizada recebendo sua forma do Espírito divino, em as duas realidades, inda que distintas acabavam por formar um todo orgânico.

Não se trata como querem alguns de monismo, pois os principios ordenador e ordenado eram coertenos, mas também não se trata dualismo ja porque, mesmo sendo distintos, acabavam por formar um todo harmonioso: o pensamento grego sobre Deus é irredutivel as duas definições modernas. É certo todavia, que não separavam o Criador de sua criação como os adeptos da transcendencia e que escapando ao dualismo não faziam dele um ser localizavel...

Quanto as limitações deste tipo de concepção distinguo antes de tudo o perigo de se cair no panteismo ingênuo que identifica Deus com o universo ou a matéria e que, suprimindo o princípio imaterial converte-se num ateismo muito mal disfarçado. Tal não era o pensamento dos filósofos acima referidos, os quais sem negar a especificidade do princípio imaterial, nem por isso separavam-no do universo material, mas, faziam-no presente nele ou seja imanente e difuso.

O segundo grande risco que se corre ao esposar tal opinião é encarar o mundo como parte de Deus, logo, como um ser constituido de partes, Sobre essa opinião nutrimos os mesmos sentimentos que Agostinho: "Se é assim, quem não vê quanta impiedade e irreligiosidade se segue, posto que, ao pisar, se pisa uma parte de Deus e, ao matar qualquer animal, se reduz a pedaços uma parte de Deus? Não quero nem dizer o quanto pode vir a imaginação e não pode dizer-se, sem que a gente core de verginha." in Civita Dei IV,12

Por isso os filósofos costumavam dizer que o universo, sendo todo penetrado pelo poder divino e por assim dizer divinizado não era parte de Deus ou Deus em si mesmo. Sendo metaforicamente chamado corpo divino nem por isso era considerado como uma parte constituitiva de Deus. Deus proprimente dito era apenas o elemento imaterial, o elemento material era seu campo de ação, divinizado e glorificado por ele.

O terceiro grande risco implicado nesta concepção da imanência é que evitando localizar ou situar Deus fora do mundo, caimos no erro de circunscreve-lo aos límites deste universo. Os gregos porém imaginavam um universo ilimitado.

Mesmo quando levamos em conta os riscos e abusos a que a teoria da imanência esta sujeita, não podemos deixar de reconhecer sua superioridade quanto a teoria rival - predominante nos meios semitas - que separando radicalmente o Criador das criaturas ou Deus do mundo, acabou por localiza-lo, por traduzir sua natureza em termos humanos e por mergulhar no pântano do antropomorfismo. Dir-se-ia que o deus hebraico separado do mundo acabou convertido num homem absolutibilizado, num monarca celestial a semelhança dos monarcas orientais, num imperador divino com seu palácio, trono, côrte, exércitos, corrêio - os anjos importados do zoroastrismo - , num juiz com seu tribubal divino, promotores, advogados, ofíciais, etc

A imanência, mais do que a transcêndencia soube respeitar o cárater espíritual da divindade e a teodiéia helênica é a maior prova a esse respeito.

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